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10 Abril 2024

Medicina Dentária Hospitalar: uma via (com provas dadas) para melhorar os índices de saúde oral

O universo da Medicina Dentária Hospitalar ainda é residual e embrionário na sociedade civil portuguesa, mas já deu provas na sua vertente militar e também na Região Autónoma da Madeira – onde já se pratica há vários anos com normalidade – que é uma boa fórmula para melhorar resultados em saúde oral.





Liliana Vasconcelos, médica dentista no Serviço de Estomatologia do Hospital Dr. Nélio Mendonça (Funchal).Liliana Vasconcelos, médica dentista no Serviço de Estomatologia do Hospital Dr. Nélio Mendonça (Funchal).

O universo da Medicina Dentária Hospitalar ainda é residual e embrionário na sociedade civil portuguesa, mas já deu provas na sua vertente militar e também na Região Autónoma da Madeira – onde já se pratica há vários anos com normalidade – que é uma boa fórmula para melhorar resultados em saúde oral.


Quando se enuncia o binómio saúde oral-serviços publicos, os cuidados de saúde primários e os gabinetes que se têm instalado - em regime experimental ou mais definitivo - nos centros de saúde espalhados pelo país, são a conotação mais evidente ou natural. No entanto, há outro vetor da saúde oral em contexto público que, embora permaneça afastado dos “holofes”, tem vindo a produzir bons resultados e a merecer a devida atenção da parte do setor. Trata-se da Medicina Dentária Hospitalar, uma disciplina que combina a arte e a ciência da Medicina Dentária com os meandros da organização de serviços, da gestão da saúde e do bem-estar geral dos pacientes.

O multifacetado universo da Medicina Dentária Hospitalar (MDH) – ainda que praticamente se restrinja aos hospitais militares e à Região Autónoma da Madeira – justifica um olhar sobre a sua crescente importância e as diversas populações de pacientes que abrange. Essa visão é-nos facultada por quem lida diariamente com esta realidade, como é o caso da médica dentista Liliana Vaconcelos, que exerce funções no Serviço de Estomatologia do Hospital Dr. Nélio Mendonça, no Funchal.

Apesar se ser uma realidade embrionária à escala nacional, no Serviço de Saúde da Região Autónoma da Madeira (RAM), a MDH é considerada uma especialidade médica, visto que há médicos dentistas a exercer funções no referido hospital da Madeira desde 2013. “Contribui para a melhoria da saúde oral e geral, melhorando a qualidade de vida dos utentes hospitalizados, que estão mais suscetíveis de contrair doenças infeciosas e pulmonares, que além de agravarem o estado de saúde oral podem agravar o estado clinico prolongando os tempos de internamento”, refere Liliana Vasconcelos. Neste contexto, a integração do médico dentista nas equipas multidisciplinares “melhora efetivamente o quadro de saúde geral do paciente”, constata a médica dentista madeirense, lembrando que a cárie dentária é a patologia mais prevalente na população mundial e que 13% da população portuguesa tem diabetes que contribuem para a doença periodontal. “Estamos a falar de universo de doentes crónicos com necessidades extremas de tratamentos dentários preventivos e curativos”.

No mesmo contexto, é essencial falar da alimentação - tendo em vista que o consumo de açucares bate a cada ano todos os recordes e acelera as patologia dentárias (cárie e doença periodontal) -, dos hábitos de consumo de álcool e tabaco (20% da população consome álcool uma vez por dia), o que contribui para os elevados níveis de cancro da cavidade oral.

Por tudo isto, Liliana Vasconcelos considera “fundamental a integração de médicos dentistas nos hospitais, para a realização de uma avaliação pré-intervenção cirúrgica, essencial para evitar o agravamento de patologia oral e sistémica, por exemplo na preparação de utentes para cirurgias cardiacas ou realização de um trasplante bem como tratamentos utentes internados com queixas de origem dentária”. Acrescenta, a título de exemplo, que um utente “pode ter múltiplas patologias e estar em falência de órgãos vitais, mas se tiver uma dor dentária, esta será a principal queixa deste utente”.

Com base na experiência que tem vivenciado nos últimos quatro anos, no Serviço de Medicina Dentária daquela unidade hospitalar do Funchal, as emergências dentárias (traumatismos dentários, abcessos dentários, dores) mas também os diagnósticos de cárie e patologia oral, “exigem a realização de procedimentos tanto preventivos como terapêuticos, proporcionando uma diminuição de focos de infeção dos utentes internados e maior conforto dos mesmos, e que muitas vezes encurta o tempo de internamento”.

A Medicina Dentária Hospitalar, na sua vertente militar, está presente em Portugal desde a génese dos primeiros cursos de Medicina Dentária. É por assim dizer uma continuidade dos Serviços de Estomatologia dos antigos hospitais militares. Estes serviços remontam ao início do século passado. A especialidade (Medicina Dentária) “é uma das mais importantes da saúde militar, quer a nível nacional quer a nível das Forças Armadas congéneres, isto porque os distintos exércitos consideram a saúde oral como um pilar fundamental no potencial de combate dos seus militares”, esclarece à Maxillaris o major médico dentista do Exército Português Nicholas Fernandes, que exerce a sua prática clínica no Hospital das Forças Armadas (Polo do Porto). “Há normas e padrões, devidamente regulamentados, que exigem da Medicina Dentária militar um trabalho constante, desde a incorporação, à formação, e durante toda a vida dos militares”, adianta o mesmo militar e médico dentista.

Contextualizando, os cuidados de saúde oral primários estão a cargo essencialmente dos centros de saúde militares. A abordagem mais diferenciada cabe na esfera de ação dos dois Serviços de Medicina Dentária do Hospital das Forças Armadas, um no Porto e outro em Lisboa.

Potencial de crescimento

Para Nicholas Fernandes, a Medicina Dentária Hospitalar, residual e embrionária na sociedade civil, apresenta um “considerável potencial de crescimento, isto porque se exige uma abrangência universal e justa, dos cuidados em saúde oral, o que constitui um imperativo Constitucional”. A curto e médio prazo, na sua opinião, os fatores preponderantes “serão a implementação da carreira especial de MDH e a génese de serviços hospitalares idóneos”. Acrescenta, a propósito, que a Medicina Dentária militar “poderá ser um exemplo que ajude a alavancar este tema”.

Liliana Vasconcelos também se pronuncia sobre os fatores que poderão ser determinantes para impulsionar a MDH: “O seu potencial de crescimento, que sem qualquer dúvida contribuirá para melhorar os índices de saúde oral dos portugueses, é proporcional ao investimento que o Estado fará nas políticas de saúde oral que, desde há muitos anos, estão implementadas na Madeira com apostas na prevenção e literacia em saúde oral, melhor acesso às consultas no serviço público e privado (convenções) e com a integração dos médicos dentistas no Serviço Regional de Saúde”.

Neste âmbito, a criação de carreira especial de Medicina Dentária na Madeira contribuiu para uma valorização da profissão e a par de todos os profissionais de saúde que exercem no serviço público, os médico dentistas passaram a integrar as equipas do Serviço de Urgência, consultas multidisciplinares de decisão terapêutica e tempos de bloco operatório a nível hospitalar. Nos cuidados de saúde primários, participam nos programas de prevenção contribuindo para um aumento da literacia para a saúde oral da população e realizam tratamento preventivos e curativos nas Unidades de Saúde Oral.

Liliana Vasconcelos reitera, assim, que o fator determinante para a implantação da MDH à escala nacional “será, sem dúvida, a criação da carreira de Medicina Dentária no serviço público com integração dos médicos dentistas nos hospitais e centros de saúde de todo o país”.




Nicholas Fernandes, major médico dentista no Hospital das Forças Armadas (Polo do Porto).Nicholas Fernandes, major médico dentista no Hospital das Forças Armadas (Polo do Porto).

Pacientes com complexidades

O universo de pacientes que beneficiam desta interseção entre a saúde oral e o campo médico em geral é significativo em resultado da elevada carga de doença que os utentes hospitalares apresentam. Doentes polimedicados, com patologias sistémicas, nomeadamente doentes oncológicos, terão um acesso mais célere e personalizado a tratamentos médico-dentários. “É uma situação em que todos ganham, ganha a população e ganha a Medicina Dentária”, salienta Nicholas Fernandes, lembrando que uma boa saúde oral é um requisito pré-cirúrgico no tratamento de certas patologias. “O apoio aos internamentos médico-cirúrgicos e aos serviços de urgência torna o espetro de ação da Medicina Dentária Hospitalar abrangente e necessária”.

Resta saber que pautas deve seguir o profissional de saúde para garantir uma boa gestão das necessidades médico-dentárias de pacientes que apresentam outras condições médicas complexas, desde a presença de inúmeras patologias sem esquecer a parte farmacológica em que são doentes polimedicados. “É importante estar em contacto com os profissionais de saúde que acompanham estes utentes (médicos e enfermeiros) para podermos intervir em tempo útil e consoante o estado clinico do utente”, acentua Liliana Vasconcelos, para quem existem situações de urgências dentárias complexas que “têm que ser tratadas em tempo útil para estabilização da situação clínica”, apontando como exemplo uma condição aguda de origem dentária que “leva muita vezes a infeções que se disseminam rapidamente para outros órgãos causando uma sépsis que pode levar a falência de outros órgãos”.

Nicholas Fernandes observa, por seu lado, que esta profissão “exige de nós a conjugação dos conhecimentos teóricos com destreza cirúrgica, fatores estes indissociáveis para uma boa prática clínica. A saúde oral é parte integrante no indivíduo. Não podemos distanciar a patologia oral do resto considerado sistémico, porque a relação é multidirecional, isto é, a doença oral não se encontra isolada, mas sim integrada. O médico dentista, que na sua prática diária tem de olhar para o paciente numa perspetiva abrangente, num ambiente hospitalar esta exigência é obrigatória”. Para isto, acrescenta o militar e profissional de saúde, “temos de ser um pouco mais médicos, estudar mais medicina, interagir com os restantes colegas das diversas especialidades e recolher daí os frutos que advêm de um trabalho em equipa”.

Mais meios e recursos

Há outros desafios que se antevêem, designadamente em matéria de reforço de meios, tendo em mente que a MDH é integrada nas especialidades médico-cirúrgicas, pois atua juntamente com a otorrinolaringologia, cirurgia maxilofacial, cirurgia plástica e cirurgia pediátrica, em inúmeras situações clinicas complexas com fractura de maxilares, casos de cancro oral e ainda tratamentos médico-dentários de crianças com necessidade de tratamento em bloco operatório. “Cada vez mais, temos situações clínicas de osteonecrose dos maxilares por aumento da utilização de bisfosfonatos, em que necessitamos de laser e plasma para realizar estas intervenções, além da câmara hiperbárica que é fundamente para oxigenação destas zonas melhorando o prognóstico desta patologia”, constata Liliana Vasconcelos, que considera também, e por fim, “fundamental que seja tratada a patologia dentária que muitas vezes leva a perda de peças dentárias e consequentemente a reabilitação destes pacientes com implantes ou próteses dentárias para que possamos restabelecer o normal funcionamento do sistema estomatognático”.

Nicholas Fernandes defende, por seu lado, a constituição de “verdadeiros serviços em ambiente hospitalar, idóneos, credíveis e de excelência”. Para este desiderato, é necessário que os serviços “tenham à sua disposição adequados meios de diagnóstico e recursos humanos que acompanhem o que se espera numa Medicina Dentária com características peculiares, dando uma resposta rápida e adequada a um público-alvo específico”. Do seu ponto de vista, o desafio, neste momento, passa por “implementar a carreira especial de Medicina Dentária e arrancar com a especialidade junto da Ordem dos Médicos Dentistas, constituindo um colégio de especialidade que impulsione e regule esta vertente”.

Outro desígnio que considera ser viável, num futuro a médio/longo prazo, “é a possibilidade de aprofundar o estudo da relação entre a patologia oral e a patologia sistémica, integrando equipas de investigação científica conjuntas, relacionando sinergicamente as várias especialidades médicas”. Nicholas Fernandes conclui que uma Medicina Dentária integrada no meio hospitalar “poderá impulsionar e facilitar esta produção de ciência”.

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