Profissionais do setor refletem sobre a utilização da Inteligência Artificial no contexto da Medicina Dentária. Antecipa-se uma grande transformação - de alcance global - nas clínicas dentárias, designadamente em termos de precisão e eficiência.
A aplicação da inteligência artificial (IA) em Medicina Dentária é uma área emergente e em constante evolução, que presentemente encontra-se numa fase inicial de implantação nas clínicas portuguesas. No entanto, cada vez são mais os profissionais que começam a sentir curiosidade acerca de uma ferramenta que pode trazer grandes benefícios, poupando tempo e recursos investidos. A sua utilização abarca vários âmbitos, já que a IA é capaz de analisar grandes quantidades de dados com o fim de obter conclusões que melhorem o diagnóstico e tratamento dos pacientes. Por exemplo, um estudo de 2019 publicado na revista BMC Oral Health avaliou o uso da IA na deteção precoce do cancro oral em imagens de células da boca e verificou que a IA tinha uma precisão del 95,7%. Uma boa notícia se tivermos em conta que Portugal é dos países da Europa com maior incidência de cancro oral e a maioria dos casos não se deteta na fase inicial, com futuras consequências nefastas. Além disso, os sistemas de IA também podem analisar os dados dos pacientes para identificar padrões e ajudar os profissionais de saúde oral a desenvolver planos de tratamento personalizados e eficazes, automatizando tarefas repetitivas e rotinárias e proporcionando informação relevante para a tomada de decisões em tempo real. Isso mesmo demonstra um estudo da Universidade da Califórnia, em Los Ángeles (EUA), que afirma que o uso da inteligência artificial para a planificação do tratamento dentário pode reduzir os tempos de planificação em 43% e os tempos de tratamento em 22%.
Há outros aspetos positivos a ter em conta para além da pura prática clínica, como a melhoria na atenção ao paciente, oferecendo a IA personalização e rapidez graças à acessibilidade a serviços a par de uma resposta automatizada, comunicações adaptadas, maior eficiência e rapidez na gestão financeira dos tratamentos e autogestão de consultas. Em suma, um vasto leque de vantagens que merecem ser expostos e analisadas por médicos dentistas que já estão familiarizados com esta inovadora ferramenta, nomeadamente Bruno Seabra, fotógrafo profissional no Light Up Studio e docente de Imagiologia na Faculdade de Medicina Dentária da Universidade de Lisboa (FMDUL), João Pato, experto em Cirurgia Ortognática e Ortodontia Cirúrgica pela Universidade Internacional da Catalunha, e Alexandre Cavalheiro, professor da FMDUL (Regente de Dentisteria Operatória).
A integração de ferramentas que utilizam a inteligência artificial (IA) na Medicina Dentária “é um processo, que em diferentes áreas, já aconteceu há alguns anos”, constata Bruno Seabra. “Temos de considerar, no entanto, que o desenvolvimento tecnológico e a maior abertura e facilidade de acesso, permite que esse crescimento na sua utilização seja exponencial e que represente uma oportunidade única e transformadora”, observa o médico dentista e fotógrafo, para quem a IA tem o potencial de poder melhorar muitos aspetos da profissão, nomeadamente em termos de “eficiência na gestão, comunicação, precisão no diagnóstico e planeamento, e, nesse sentido, proporcionando também uma experiência diferenciada aos nossos pacientes”.
Esta opinião é partilhada por Alexandre Cavalheiro, que considera que a incorporação da IA nas clínicas dentárias “está a desencadear uma revolução na forma como os tratamentos são planeados, realizados e geridos”. Do seu ponto de vista, a IA já está a possibilitar o desenvolvimento de software e hardware que simplifica a execução de procedimentos bastante complexos. A título de exemplo, aponta que algum software de Smile Design assistido por IA “tem já uma qualidade inimaginável há pouquíssimos anos”. O médico dentista e professor universitário reconhece que muitos “poderão olhar com ceticismo” para a introdução da AI na Medicina Dentária, tendo em vista os “desafios e questões éticas que merecem a nossa atenção”. No entanto, sublinha que esta transformação “é irreversível e devemos abraçá-la com entusiasmo, pois a colaboração entre IA e Medicina Dentária está a resultar em processos automatizados de maior precisão e eficiência”. Esses progressos traduzem-se em resultados funcionais e estéticos substancialmente mais avançados”.
No caso de João Pato, cuja prática clínica se centra particularmente na ortodontia, “a IA já tem uma presença bastante marcada”. Ao nível dos meios de diagnóstico, um exemplo muito específico são os traçados cefalométricos. “Hoje em dia, existem vários sites e softwares que realizam os traçados cefalométricos automaticamente após submeter a telerradiografia”, observa o ortodontista, acrescentando que as simulações “bastante rápidas de tratamentos após a obtenção de moldes digitais também são uma prática algo comum. É uma ferramenta, muitas vezes de marketing, utilizada para mostrar ao paciente uma aproximação do ‘antes e depois’ do tratamento ortodôntico”. De acordo com João Pato, a IA também terá um papel importante na monitorização de casos à distância, bem como no auxílio da confeção de aparatologia removível in house, ou seja, pelo próprio profissional de saúde na sua clínica. “Cada vez mais vemos colegas a confecionarem os seus próprios alinhadores recorrendo impressoras 3D e softwares específicos”.
São várias as vantagens, a curto e médio prazo, para além dos softwares de simulação virtual. Durante a fase de diagnóstico, a IA pode desempenhar um papel crucial ao identificar padrões em radiografias que podem ser difíceis de detetar a olho nu, como por exemplo lesões de cárie, “resultando numa melhoria na precisão e na deteção precoce de problemas dentários”, sugere Alexandre Cavalheiro, para quem os algoritmos de IA podem ainda “enriquecer os planos de tratamento personalizados, levando em consideração as características únicas de cada paciente”. Esse contributo vai desde a escolha de materiais até às técnicas cirúrgicas e às estratégias de reabilitação mais adequadas.
Na fase de tratamento, prossegue o professor da FMDUL, a IA pode “facilitar as intervenções cirúrgicas robotizadas pela identificação de estruturas anatómicas cruciais, aumentando a precisão e a segurança das cirurgias”. Adicionalmente, na fase de reabilitação, os sistemas CAD-CAM apoiados por IA “têm a capacidade de conceber e executar próteses fixas ou removíveis personalizadas com elevada precisão, automatizando grande parte das etapas clínicas. Essas aplicações permitem reduzir a duração dos procedimentos e aumentar a eficiência e a qualidade dos cuidados dentários de forma significativa”, realça ainda Alexandre Cavalheiro.
IA como contributo para a educação do paciente
Instado a pronunciar-se sobre a forma como a IA poderá melhorar a experiência do paciente na consulta dentária, João Pato enuncia a possibilidade de diminuir o número de visitas à clínica, “uma vez que pode ser realizada uma monitorização remota do tratamento, permitindo não só um controlo mais ‘apertado’ do tratamento, por parte do ortodontista, mas também retribuir informação ao paciente acerca do estado do tratamento, tudo dentro da mesma plataforma”. Isto possibilita ao paciente menos deslocações e pode funcionar como “motivação extra para cumprir com os requisitos exigidos para que os tratamentos decorram de forma previsível”.
Bruno Seabra concorda que a inteligência artificial “pode, sem dúvida, desempenhar um papel significativo na melhoria da experiência do paciente” na consulta dentária a vários níveis. E aponta exemplos: sistemas de IA podem facilitar o atendimento 24/7, a marcação de consultas, permitindo que os pacientes escolham horários convenientes de acordo com a sua disponibilidade. Além disso, “é possível enviar lembretes automáticos de consulta por meio de mensagens de texto, email ou aplicações móveis, reduzindo as taxas de faltas às consultas”.
Outra vantagem prende-se com a assistência virtual pré-consulta, que permite prestar informações úteis aos pacientes antes da consulta, respondendo a perguntas frequentes sobre determinados procedimentos, cuidados pré e pós-operatórios.
Bruno Seabra destaca também o contributo das aplicações e demais recursos de IA para a educação do paciente, nomeadamente o facto de lhe oferecerem informações personalizadas sobre a sua saúde oral, incluindo dicas de higiene oral, vídeos educacionais e lembretes de cuidados preventivos. “Existem neste momento aplicações disponíveis para criação de vídeos, que poderão ser usados nessa educação ao paciente, em que apenas temos de introduzir o texto, o logo da empresa e selecionar a nossa assistente virtual... que apresenta a clinica, ensina como escovar ou explica algum tratamento”.
No plano do diagnóstico e tratamento, as vantagens para o paciente são evidentes. Bruno Seabra preconiza “diagnósticos mais precisos e mais rápidos, através da análise de imagens de raios-X e imagens 3D dos dentes e da mandíbula. Isso pode levar a tratamentos mais direcionados, rápidos e eficazes”. Por outro lado, “a previsão virtual com apoio a AI do planeamento e imagem do que pretendemos e propomos com o nosso projeto para cada paciente, permite mais facilmente acompanhar todo o processo de forma transparente”, constata ainda este docente de Imagiologia.
Os benefícios estendem-se ainda ao contexto de avaliação e feedback após consulta. “A IA pode recolher a opinião dos pacientes através de inquéritos automatizados, ajudando os médicos dentistas a melhorar continuamente a qualidade do atendimento e antecipando alguns problemas do ambiente da clinica ou mesmo dentro da própria equipa”, conclui Seabra.
Alexandre Cavalheiro constata, por seu lado, que a criação de simulações visuais virtuais de tratamentos vem permitir aos pacientes visualizar antecipadamente os resultados e, assim, poderem decidir de forma mais confiante e informada. “Os chatbots ou assistentes virtuais têm a possibilidade de agendar consultas, enviar lembretes das datas das consultas, enviar informações sobre os procedimentos a realizar e sobre os cuidados pós-tratamento ou responder a algumas questões dos pacientes”. Estas ferramentas, acrescenta o mesmo profissional, “permitem agilizar e gerir a parte administrativa, libertando mais tempo aos profissionais para um planeamento personalizado”.
Desafios de transparência e responsabilidade ética
A utilização da inteligência artificial na Medicina Dentária, como em qualquer área da saúde, suscita dúvidas e/ou desafios em matéria de transparência, responsabilidade ética e privacidade. Bruno Seabra defende que a sua implementação no setor “tem de ser sempre acompanhada de medidas transparentes e rigorosas de privacidade e segurança dos dados, envolvendo a existência de consentimentos informados, disponibilizando formação e educação contínua”, de modo a garantir que as informações dos pacientes sejam protegidas adequadamente.
Neste particular, Alexandre Cavalheiro destaca a “necessidade de transparência” na tomada de decisões assistidas por IA para que os pacientes “compreendam as recomendações e se sintam seguros com elas”. Além disso, sustenta que é imperativo “assegurar a proteção dos dados do paciente, uma vez que as informações pessoais e médicas são frequentemente utilizadas nos sistemas de IA”.
No mesmo contexto, João Pato considera que uma das principais questões que poderá surgir prende-se com “os tratamentos realizados por colegas e/ou empresas sem qualquer experiência”, referindo-se em particular à ortodontia. Isto é algo que, de resto, já se comenta há alguns anos e que diz respeito ao famoso algoritmo. “Neste momento, a capacidade da IA vem exponenciar a capacidade de ‘aprendizagem’ desses algoritmos”, alerta João Pato, explicando em detalhe o que está em causa nesta equação: “A fase considerada mais importante na ortodontia é, naturalmente, o diagnóstico, o qual é realizado após a obtenção de uma história clínica cuidada, modelos das arcadas dentárias, exames radiográficos e fotografias clínicas intra e extraorais. Só com um correto diagnóstico podemos traçar um adequado plano de tratamento para cada caso. Então nós recolhemos os elementos para diagnosticar (somos os ‘seres pensantes’) e depois traçamos o nosso plano de tratamento e executamos (somos os ‘seres executantes’). Com a IA submetemos a informação clínica que recolhemos e ‘ela’ dá-nos um plano de tratamento (deixamos de ser os ‘seres pensantes’) e confeciona os aparelhos para chegar ao resultado final (em parte até deixamos de ser ‘seres executantes’, apenas aplicamos os aparelhos)”. O ortodontista não hesita em concluir que “este é um dos perigos da IA” especificamente no âmbito desta especialidade da Medicina Dentária.
IA não deve substituir a interação humana
Nesta nova era sob o signo da IA, resta saber que “linhas vermelhas” devem ser traçadas ou recomendadas aos profissionais do setor: médicos dentistas, técnicos de prótese, representantes da indústria, etc.
“Nunca devemos esquecer que estamos a usar uma ferramenta de apoio. A grande vantagem do ser humano é o espírito de análise e capacidade de identificação de erros. Tem de ser o homem a orientar a máquina”. Quem o afirma é Alexandre Cavalheiro, sem deixar de reconhecer que, com o tempo, o deep learning vai permitir que as máquinas ganhem mais margem de orientação. No entanto, sublinha, “há que garantir que a competência humana prevalece no centro das decisões clínicas, usando a IA como suporte. A última palavra nas decisões clínicas deve permanecer com os profissionais de saúde”. Para Alexandre Cavalheiro, outro aspeto importante passa por “garantir que os dados dos pacientes são tratados, em conformidade com as leis da proteção de dados e que as melhores práticas de segurança cibernética são usadas”.
Por fim, mas não menos importante, o mesmo clínico considera que é necessário “priorizar a humanização do atendimento”, assegurando que a empatia e o cuidado pessoal continuem a ser fundamentais na prática da Medicina Dentária. “A IA não deve substituir a interação humana afetiva e empática que os profissionais de saúde proporcionam”. Em suma, do seu ponto de vista a humanização do atendimento “permanece fundamental”.
Bruno Seabra mostra-se igualmente convicto de que a inteligência artificial “nunca vai substituir a capacidade humana que temos de criar relações e mostrarmos empatia no atendimento aos nossos pacientes”. E acrescenta: “É mais uma ferramenta imprescindível, que temos ao nosso dispor, que vai permitir, nestes tempos difíceis com muitos custos e encargos, conseguir melhorar a produtividade e a capacidade de trabalho para tarefas realmente importantes e dependentes dos nossos colaboradores, de forma a que toda a equipa possa ser mais feliz e assim exponenciar a experiência do nosso paciente”.
Em matéria de “linhas vermelhas”, João Pato sustenta, por sua vez, que se deve “impedir que a IA realize todo um diagnóstico e plano de tratamento sem supervisão clínica”, ou seja, “é preciso continuar a apostar na formação pré e pós-graduada de qualidade para podermos integrar a IA no nosso dia a dia clínico, explorando todo o seu potencial mas tendo noção do que estamos a fazer”. Em jeito de conclusão: “Devemos estar atentos a empresas/colegas sem formação em áreas específicas que possam começar a propor tratamentos alavancados na utilização da inteligência artificial, que por vezes correm bem mas que também podem correr muito mal”, recomenda João Pato.
Com a implementação cuidadosa de todos estes princípios, a IA pode enriquecer a Medicina Dentária, “proporcionando benefícios significativos aos pacientes enquanto mantém os valores éticos e humanos que são essenciais nesta área”, remata Alexandre Cavalheiro.
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